sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Biologia da Tatuagem Curiosidades verdadeiras

Biologia da Tatuagem, por Rene A. Murad,



farmacêutico, químico, professor e tatuador profissional

Matéria publicada na revista: Almanaque Brasileiro de Tatuagem,

volume 22 Editora Escala, página 6.

Biologia da Tatuagem




Embora muitas pessoas saibam que tatuar é um processo ligeiramente doloroso de pigmentação de pele, ou seja, quando uma substância que não é própria de nosso corpo é injetada sob nossa pele e ali fica pelo resto da vida, ficam algumas perguntas sobre como uma tatuagem pode durar tanto tempo assim... por que a pele descasca... por que temos os cuidados com determinados alimentos, por que o sol estraga a tatuagem.




Para entendermos tudo isso, devemos voltar um pouco e relembrar nossas aulas de biologia no colégio. Nossa pele, além de ser o maior órgão do corpo, é formada por várias camadas. No entanto, optando por uma forma didática, ou seja, fácil de explicar, vamos dividi-la em três partes. A primeira e superficial chamaremos de camada córnea, onde só existem células mortas e queratinizadas cuja função é evitar a desidratação e enrijecer um pouco mais a pele. Uma boa observação desta camada é quando nos coçamos e sai uma casquinha fininha branca, muito comum quando a pele está seca. A segunda é chamada de camada epitelial, formada por células vivas e em crescimento. Nesta camada se encontram também os melanocitos, que são as células produtoras de melanina cuja função é escurecer apele para proteger da radiação solar. A terceira é chamada de camada conjuntiva, é a mais espessa de todas. Nela encontramos vasos sanguíneos, células de gordura, terminações nervosas que servem para sentir dor, pressão calor ou frio. Existem também nesta camada de fibrócitos, células que produzem colágeno (o colágeno confere firmeza à pele, mas pode causar quelóide, se seu crescimento for exagerado, ou rugas, se estiver em falta).




Quando estamos tatuando, a agulha, estando bem calibrada e na afiação correta, irá atravessar todas estas camadas, mas ao chegar à camada conjuntiva, as fibras de colágeno irão frear sua penetração. Neste momento, ao retornar para fora da pele, a tinta que estava no vão das agulhas é retida mecanicamente dentro da pele. Esta tinta se espalha desde o conjuntivo até acamada córnea quando então acontece o mais impressionante processo biológico para segurar a tinta dentro da pele: a fagocitose. Antes porém, devemos recordar um outro detalho: a pele nunca foi estática, ela se modifica a cada dia. À medida que as células da cama epitelial vão surgindo na base deste tecido (na divisa com o tecido conjuntivo), ela empurra as outras células que estão acima. Desta forma, uma célula que surgir hoje na base de nossa camada epitelial vai demorar uns 20 dias para chegar até a camada córnea, mas a camada conjuntiva continua imóvel, produzindo colágeno. Quando acontece uma lesão muito grande, por exemplo, uma agulha que está com defeito, ou um tatuador descuidado que ficou tatuando muito o mesmo lugar, abre-se um ferimento, e como a camada epitelial demora muito para se regenerar, o tecido conjuntivo ativa os fibrócitos e a produção de colágeno se intensifica. Esse colágeno acaba ultrapassando a camada epitelial, fazendo uma elevação no topo da pele. Essa elevação é chamada de quelóide.




Mas quando a tatuagem é bem feita, aquela tinta que se espalhou por todas as camadas da pele, começa a ser fixada no conjuntivo e retirada do epitelial. No limite entre a camada conjuntiva e a epitelial, por conta do pigmento da tinta, do ferimento, dos vasos sanguíneos que se dilataram (aquela vermelhidão que acontece logo que acaba a tatuagem), células de defesa começam ir para o local. Estas são chamadas de neutrófilos e macrófagos.




Assim que encontram o pigmento da tinta, ou neutrófilos e macrófagos começam a absorvê-los através da fagocitose.A fagocitose é o processo pelo qual uma célula consegue “devorar” algum corpo estranho. Após fagocitar o pigmento da tinta, essas células de defesa ficam paradas no local, e se por acaso morrerem, outras chegam e tomam o seu lugar. Dependendo do organismo da pessoa tatuada, esse processo pode ser mais demorado, e a tinta pode se espalhar. Com o tempo a



tatuagem parece perder a definição. E por acaso morre a célula de defesa cheia de pigmento, este se espalha pelo tecido, mas se demorar para que outra venha lhe substituir, o pigmento pode se espalhar mais ainda, deixando a tatuagem borrada com o passar dos anos. Por isso aconselhamos retoques após terceiro ano de tatuagem, mas isso varia muito de pessoa para pessoa.




A tinta que ficou retida na camada epitelial e córnea é removida da pele rapidamente. A primeira que sai é a da cama córnea, já que está mais superficial, e esta tinta removida pode ser observada na primeira troca do curativo, quando muitas pessoas se espantam ao retirar o plástico da tatuagem e vêem o desenho parecendo que está derretendo: mas é só lavar que sua tatuagem ainda continua bonita no mesmo lugar. Já a tinta da camada epitelial irá demorar em torno de 20 dias para ser removida, pois à medida que as células dessa camada crescem, vão saindo, feito casquinhas, impregnadas de tinta. Deve se tomar muito cuidado nessa etapa, pois, se remover as cascas, que podem estar enraizadas no tecido conjuntivo e por algumas fibras colágenas que cresceram por causa da lesão, fará um novo ferimento que poderá inflamar, ou até infeccionar, e certamente causará dano à tatuagem. Por isso é muito importante fazer corretamente o curativo nos cinco primeiros dias e depois passar a pomada a base de vitaminas e óleos durante os outros 15 dias de cicatrização.




Mas ainda existe um outro cuidado muito importante que pode causar um severo dano à tatuagem: o escurecimento solar.



O escurecimento solar acontece nos primeiros 40 dias da tatuagem. Durante o processo de tatuar, o sangue também participou, e mesmo que você não tenha percebido sangramento, ele ocorreu, deixando células sanguíneas mortas que ao se decomporem liberaram ferro (lembramos que o ferro é um elemento essencial da hemoglobina que está dentro dos glóbulos vermelhos do sangue e que é responsável pela captura do oxigênio). E esse ferro, quando espalhado na pele, faz parte de um processo que ativa a melanina (melanina é um pigmento escuro produzido pelo melanócito que está na camada epitelial e que protege apele da radiação solar). Portanto, se a pele tatuada for exposta ao sol, o ferro disponibiliza uma maior produção de melanina pelo melanócito, e começa então o escurecimento da área tatuada. Esse escurecimento pode ser transitório, sumindo em algumas semanas, ou durar anos e anos. Por conta disso, se precisar se expor ao sol antes de 40 dias, cubra a tatuagem ou com roupa ou com bloqueador solar, mas pode ser usada também pomada de assadura, a base de óxido de zinco (hipoglós) que fará uma cobertura na tatuagem até mesmo embaixo da água.



Mas além desses cuidados, muitos tatuadores alertam sobre o uso do filme plástico nos primeiros dias e o perigo de comer alguns alimentos, que após ingestão podem provocar danos à tatuagem.



São geralmente alimentos que causam alergias, mas, que fique bem claro, algumas pessoas podem ser sensíveis e outras não! Dentre estes alimentos destacamos os muitos gordurosos, como carne de porco, ovos, chocolate e maionese. E ainda para algumas pessoas, alertamos sobre o camarão e outros frutos do mar. Esses alimentos, por terem um potencial alérgico, estimulam substâncias no corpo, como a histamina que causa vermelhidão e coceiras. Se isso acontecer na área tatuada, ocorrerá uma deficiência no processo de cicatrização, que pode atrapalhar na fagocitose do pigmento e na regeneração do epitélio. O filme plástico, por sua vez, fará o papel da camada córnea que foi praticamente destruída durante o processo da tatuagem, já que, além da camada, as glândulas da pele também foram avariadas. São as glândulas sebáceas e sudoríparas que mantêm a oleosidade, umidade e regulagem do calor da pele. Portanto, sem o plástico protegendo, a pele pode sofrer desidratação, o que levará a pequenas fissuras, rachaduras como a de lábio no inverno, onde facilmente servirão de abrigo às bactérias, causando microinfecções e levando a danos no trabalho. O tempo para essas glândulas se recomporem é de cinco dias, em média. O plástico também evita que a pele cole na roupa e que a tatuagem seja esfolada.



A tatuagem nunca foi e nem será um simples desenho na pele. Após ser feita ela passa a ser parte de seu corpo, sofre processos dinâmicos e biológicos, passa a ter vida e necessitará de todos os seus cuidados. Portanto, guarde muito bem essas informações, sendo você um tatuador ou um tatuado. O sucesso de nosso trabalho depende de nossa educação e conhecimento.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009